Desconectou a internet, encerrou o Windows, fechou a tampa de seu novo notebook, desligou-o da tomada. "Podia chover" pensou. Embora fosse bastante moderno para sua idade, tinha 82 anos, se dava ao luxo de suas manias de velho.
Sempre andava de guarda chuva, desligava todos os equipamentos das tomadas antes de dormir, exceto a geladeira, embora uma tempestade em 1968 tivesse queimado a de sua casa, tomava vários, muitos remédios todos os dias. Tantos que já nem se lembrava para que eram...
Mantinha um ritual matinal de levantar-se, alongar-se, despir-se, vestir-se, lavar-se e tomar o desjejum.
Era um velhinho simpático, sorridente, antenado como diziam-lhe os netos. Inclusive fora Marcos, filho de Janete, sua filha mais velha, que lhe dera o pequeno computador e lhe ensinara a "navegar na internet".
Foi com uma frase de Fernando Pessoa que Marcos convenceu o avô a se render aos recursos da rede: "Navegar é preciso...". Depois desse digamos, trocadilo, cairam na gargalhada e o vovô se deixou levar pela paciência e doçura do neto mais querido!
Após olhar no relógio, que apontava meia noite passada, seu Antonio decidiu deitar-se. A internet lhe prendera a atenção mais tempo que pretendia. Precisava dormir.
Deitado em sua confortável cama, seu Antonio pensava na juventude atual, e em sua própria, sem internet mas com tantos bailes e cafés, damas elegantes, galanteios discretos, belas músicas e românticas serenatas.
Nos atuais dias a bendita internet substituira tudo isso.
De repente sentiu-se só. Muito só. Já não tinha mais seus amigos de infância, de juventude para com quem conversar. A maioria havia morrido ou estavam bastante debilitados. Ele mesmo, apesar de ter dedicado sua vida à hábitos saudáveis, já não tinha mais o mesmo "pique".
Os netos lhe traziam muita alegria. Haviam os pequeninos para quem contava histórias e fazia ninar. E havia os grandes como Marcos que lhe ensinava tantas coisa e com ele aprendia tantas outras.
Os filhos também lhe cercavam de carinhos. Tivera 8 filhos. Todos fruto de um amor incontestável e infinito por sua única namorada e esposa, Vera.
Vera tinha cheiro de rosas e a pela macia como pêssegos maduros. E ele a amava mais que tudo nesta longa vida.
Ela partira há 2 anos e meio. Ele sofreu. A quantidade de remédios aumentou consideravelmente depois de sua morte. Mas seu Antonio era um homem forte e obediente. Seguia a risca o último pedido de sua amada esposa, que lhe disse dias antes de sua passagem. Disse ela: Viva!! E é o que ele fazia.
Há tempos não sentia-se como naquele momento, mas sentia-se só. Desejou partir também e encontrar sua Verita, mas sabia que Deus tinha planos para ele, e que sua hora não havia chegado.
Então era isso. Essa era a tal solidão que jamais havia experimentado em toda sua vida. Ela doia, como a saudade que sentia de sua adorável esposa.
Com esse pensamento e com um sono devastador causado pelos remédios, adormeceu.
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