Naquele dia a saudade visitou Sofia.
Naquele início de tarde, no trânsito da hora do almoço, Sofia parou no sinal e ao invés de verificar o celular, olhou para o lado.
Nunca havia reparado que naquela rua que passava todos os dias havia uma escola.
Sofia não se lembrava da primeira vez na vida em que fora para escola, mas se lembrava da primeira vez que fora a escola onde cursou o colegial.
No horário em que a mãe a mandara, lá estava ela: camiseta do uniforme, rabo de cavalo, fichário com fotos de artistas famosos, um perfume que ganhara no natal, calças jeans... Nossa! Sofia se surpreendeu com sua memória!
Chegou à frente da escola e os portões sequer haviam sido abertos. Odiou a mãe por te-la feito ir tão cedo a um local onde não conhecia ninguém. Queria se enterrar, mas em vez disso, encostou no muro e buscou desesperadamente por um rosto conhecido. Nada.
Sofia não conhecia ninguém. Seus amigos foram transferido para outra escola e Sofia ficou sozinha.
Quando o portão abriu, Sofia se sentiu ainda pior. Com quem conversaria? Onde poderia se sentar? Quanto tempo levaria até que chegasse à loucura total?
O dia passou devagar, e Sofia se sentia em um campo de concentração. No intervalo quase se afogou no vaso sanitário do banheiro, mas antes que colocassse seu plano em prática, tocou o sinal e Sofia sentiu-se aliviada. Pelo menos na sala de aula não precisava falar nada. Seria a melhor aluna da turma, aquela que não conversa com ninguém! Nunca!
Chegou em casa, correu para o banheiro e chorou em baixo do chuveiro.
Os dias passaram, e a cada um deles Sofia gostava mais daquele lugar. Fez dezenas de amigos, se apaixonou, namorou, foi uma das melhores alunas da turma e conversou muito, participou dos jogos interescolares.
Ali em seu carro, Sofia sentia o cheiro da sala de aula e o gosto da polenta da merenda na boca. Lembrava doa amigos... onde estariam? Poucas amizades sobreviveram à faculdade...
De repente sentiu-se muito velha, olhando aquelas adolescentes fazendo e pensando as mesmas coisas que ela... mas isso fora há muito tempo atrás...
O sinal abriu e Sofia despertou de suas deliciosas lembrança com uma enxurrada de buzinas, mas com um sorriso nos lábios que só a saudade de tempos felizes é capaz de proporcionar. Voltou para a vida real, mas não sem antes gritar pela janela:
"Passa por cima!!"
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
A amizade
"Lembrei-me dele e senti saudades… Tanto tempo que a gente não se vê! Dei-me conta, com uma intensidade incomum, da coisa rara que é a amizade. E, no entanto, é a coisa mais alegre que a vida nos dá. A beleza da poesia, da música, da natureza, as delícias da boa comida e da bebida perdem o gosto e ficam meio tristes quando não temos um amigo com quem compartilhá-las. Acho mesmo que tudo o que fazemos na vida pode se resumir nisto: a busca de um amigo, uma luta contra a solidão…
Lembrei-me de um trecho de Jean-Christophe, que li quando era jovem, e do qual nunca me esqueci. Romain Rolland descreve a primeira experiência com a amizade do seu herói adolescente. Já conhecera muitas pessoas nos curtos anos de sua vida. Mas o que experimentava naquele momento era diferente de tudo que já sentira antes. O encontro acontecera de repente, mas era como se já tivessem sido amigos a vida inteira.
A experiência da amizade parece ter suas raízes fora do tempo, na eternidade. Um amigo é alguém com quem estivemos desde sempre. Pela primeira vez estando com alguém, não sentia necessidade de falar. Bastava a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro. “Christophe voltou sozinho dentro da noite. Seu coração cantava ‘Tenho um amigo, tenho um amigo!’ Nada via. Nada ouvia. Não pensava em mais nada. Estava morto de sono e adormeceu assim que se deitou. Mas durante a noite fora acordado duas ou três vezes, como que por uma idéia fixa. Repetia para si mesmo: ‘Tenho um amigo’, e tornava a adormecer.” Jean-Christophe compreendera a essência da amizade. Amiga é aquela pessoa em cuja companhia não é preciso falar.
Você tem aqui um teste para saber quantos amigos você tem. Se o silêncio entre vocês dois lhe causa ansiedade, se quando o assunto foge você se põe a procurar palavras para encher o vazio e manter a conversa animada, então a pessoa com quem você está não é sua amiga. Porque um amigo é alguém cuja presença procuramos não por causa daquilo que se vai fazer juntos, seja bater papo, comer ou jogar . Até que tudo isso pode acontecer. Mas a diferença está em que, quando a pessoa não é amiga, terminando o alegre e animado programa, vêm o silêncio e o vazio – que são insuportáveis. Nesse momento o outro se transforma num incômodo que entulha o espaço e cuja despedida se espera com ansiedade. Com o amigo é diferente.
Não é preciso falar. Basta a alegria de estarem juntos, um ao lado do outro. Amigo é alguém cuja simples presença traz alegria, independentemente do que se faça ou diga. A amizade anda por caminhos que não passam pelos programas.
Uma estória oriental conta de uma árvore solitária que se via no alto da montanha. Não tinha sido sempre assim. Em tempos passados a montanha estivera coberta de árvores maravilhosas, altas e esguias, que os lenhadores cortaram e venderam. Mas aquela árvore era torta, não podia será transformada em tábuas. Inútil para os seus propósitos, os lenhadores a deixaram lá. Depois vieram os caçadores das essências em busca de madeiras perfumadas. Mas a árvore torta, por não ter cheiro algum, foi desprezada e lá ficou. Por ser inútil, sobreviveu. Hoje ela está sozinha na montanha. Os viajantes se assentam sob a sua sombra e descansam. Um amigo é como aquela árvore. Vive de sua inutilidade. Pode até ser útil eventualmente, mas não é isso que o torna amigo. Sua inútil e fiel presença silenciosa torna a nossa solidão uma experiência de comunhão. Diante do amigo, sabemos que não estamos sós. E alegria maior não pode existir."
(por Rubem Alves – do livro ‘O retorno e Terno’)
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